Nove de julho, dia da arrogância paulista. Pois a nossa oligarquia nova rica, reaça desde aquela época, surfando a onda do café e se besuntando no bem bolado do poder do café com leite da primeira república, levou a crise de 29 na cabeça e viu o café queimando no porto de Santos. Combalida, dobrou a aposta. Traiu o arranjo com os mineiros (tudo bem que não dava pra aceitar a volta do traste do Artur Bernardes) e indicou outro paulista (Júlio Prestes) para suceder Washington Luiz. Faltou combinar com os russos, ou com um gaúcho.
A efeméride é paulista, paulistana e SP se veste de garoa. Me visto bem colorido para ser bem visto no centro preto e branco esfumado. Se num dia vou até onde SP acaba, noutro fico por onde começou.
Se achando, os paulistas contavam com o apoio de muita gente, mas não de toda a gente. Júlio Prestes ganhou, mas não levou. Getúlio Vargas, o candidato da aliança entre mineiros traídos, gaúchos e paraibanos do vice João Pessoa - além dos tenentes que há anos vinham reclamando - perdeu, mas levou. O assassinato de João Pessoa (que virou capital e inspirou a bandeira do estado) no Recife serviu de pretexto para a revolução de 30, para um golpe de Estado. O gaúcho assumiu e começou a treta. Ninguém inocente.
A genial ideia de transferir a cracolândia para debaixo da ponte estaiada do Tietê, claro, não deu certo. A lista de vilanias aos rios da cidade foi atualizada e o incêndio sob a ponte estaria encomendado. Levar o fluxo para a rua Prates no Bom Retiro voltou pro escaninho. Esse governo não tem ideia do que fazer com essa gente, talvez porque não os ache gente. Combater o tráfico, nenhum fez. Assumir a derrota e trabalhar para minimizar os danos, um fez, mas, como o resultado não aparecia como a solução mágica, o sucessor desfez.
Aproveitando o respiro (o inferno está do outro lado da Rio Branco), repito um caminho que vinha evitando: Barão de Limeira, Júlio de Mesquita, São João, Ipiranga e, depois, o nosso amor a gente inventa.
E o Vargas causava: colocou para comandar a nossa polícia um comparsa e, injúria máxima, nomeou pra cá um interventor de outro estado. Paulistas escrotos, tudo imigrante, tudo xenófobo! São muitas as questões com o atual governador, mas ser do Rio não deveria ser uma. Ser conterrâneo não é garantia, vide Maluf, Quércia e o miliciano covarde inelegível. Como são, com e sem razão, as manifestações cresciam por todo o estado. Na República, em 23 de maio de 32, quatro jovens: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, foram assassinados pelos getulistas. Pronto!
Putos, os paulistas resolveram marchar até o Rio para derrubar o ditador. Segurando a risada (a equivalência de forças era 10 x 1), o ditador atacou por todo lado, menos pelo Mato Grosso, nosso insensato aliado. A cobra fumou, a cuíca gemeu e as tropas paulistas sifu. Enquanto isso, briosa, a minha avó se juntava a outras voluntárias costurando uniformes ou mortalhas. Enquanto isso, sitiado, o estado criava a própria moeda lastreada pela campanha "Ouro para o Bem de São Paulo". A minha avó se juntava a outras otárias doando suas alianças.
Derrotados, não faltou aos paulistas heróis e feitos notáveis. A faculdade de engenharia e o IPT transformavam carros e trens em blindados; os trens "Fantasma da Morte", principalmente nas requebras e no invicto túnel da Mantiqueira, foram o terror das forças federais. Entrincheirados, cercados, desarmados, nossos soldados simulavam com as matracas o som das metralhadoras. Consolados, os paulistas viram muitas das suas reivindicações, por óbvias que eram, acontecerem, entre elas, a promulgação da Constituição de 34.
Venho de visitar as duas primeiras capitais federais (por conta da segunda essa conversa está atrasada). As duas são vítimas do preconceito burro paulista: preguiça, malandragem, violência. As duas, uma mais e outra menos, estão melhores que a minha cidade rica. As duas - tirando as praias e as baías, claro -, considerando a história, o art déco do Edifício Oceania, o lirismo da Lina, o modernismo do Capanema, o Real Gabinete Português de Leitura, não são mais bonitas que o centro da minha com garoa neste dia nove de julho, dia do paulistano orgulhoso!